18 de fev. de 2014
O MITO DA GUARDA NO TÚMULO DE JESUS
por Eduardo Galvão
GUARDA, TÚMULO, JESUS, MITO
Quando ouvimos histórias sensacionalistas, é possível observarmos que seus espraiadores costumam incrementar a história de tal forma que parece ser impossível outra explicação, a não ser algo do “além”.
Lembro-me bem de uma história que ouvi quando adolescente de um amigo meu. Por ética, irei chama-lo de André.
Por ser muito religioso, André era também muito supersticioso. Como ele moravam ainda com os pais e os irmãos, decidiu sempre fechar a porta do seu quarto com chave, pois seus irmãos gostavam de aprontar. Certo dia, André chegou em casa, entrou no seu quarto e não conseguiu encontrar certa quantia em dinheiro que havia guardado.
Era um fato tão inegável que seu quarto estava sempre trancado à chave, que seria inimaginável alguém conseguir entrar ali e roubar algo seu. Devido à inconcebibilidade de alguém conseguir entrar em seu quarto e roubar algo, André começou – por incrível que pareça – a atribuir ao sobrenatural. Em outras palavras, “alguma coisa” conseguiu entrar no seu quarto e fez “desaparecer” o dinheiro, asseverava ele.
Quando o mesmo contava o ocorrido, sempre enfatizava o fato de que o quarto estava lacrado, sendo ele o único com condições de acessá-lo.
Tempos depois, fiquei pensando sobre o motivo dele, como alguém ultra religioso, fazer tanta questão de mencionar que o quarto estava trancado à chave. Bom, logo entendi que ressaltar esse fato resultava diretamente em uma conclusão sobrenatural. Em outras palavras, se o quarto estava lacrado, trancado, e algo lá dentro simplesmente desaparece, qual poderia ser a explicação em uma mente supersticiosa, exceto que algo sobrenatural ocorreu?
É com essa ideia que gostaria de introduzir o artigo aqui abordado sobre a guarda no túmulo de Jesus.
1. Introdução ao Relato
Nosso estudo concentra-se em Mateus 27:62-66 e 28:11-15. Iremos fazer primeiro um apanhado geral dessas duas referências.
O contexto de Mateus 27:62-66 é o registro do sepultamento de Jesus, que cobre os versículos 57-61. Depois que descreve o sepultamento, somos informado que logo “no dia seguinte”, os líderes religiosos dos judeus foram falar com Pilatos. Qual era o motivo dessa conversa? Talvez se pergunte. Eles dizem a Pilatos que, uma vez que Jesus durante seu ministério fez muitas referências à sua morte e ressurreição, principalmente essa última, profetizando que no terceiro dia ele ressuscitaria, seria importante que o governador colocasse uma guarda na frente do sepulcro até o terceiro dia, para não permitir que os seus discípulos viessem à noite, roubassem o corpo de Jesus e saíssem por ai proclamando que ele havia ressuscitado.
Pilatos concede o pedido. O túmulo de Jesus foi “selado com uma pedra” e uma escolta foi colocada para guardar o local até o terceiro dia.
2. A Ressurreição e a Guarda Romana
Apesar de toda essa segurança por parte dos líderes religiosos, algo surpreendente aconteceu. Em Mateus 28:1-4 nos diz que um anjo desceu do céu, rolou a pedra, cujo ato indicava que Jesus havia ressuscitado. (Veja Como a Pedra foi Removida?) Argui claramente no artigo O Evangelho de Mateus e a Lenda da Ressurreição que esse relato é um mito cristão tardio, e no artigo Aparição dos Anjos no Túmulo de Jesus comentei sobre as contradições do encontro do anjo com as mulheres. No entanto, não entraremos aqui nesses detalhes, pois nosso foco é outro.
Ao observar esse evento sobrenatural, os guardas ficam “espavoridos” (RA), “assombrados” (ARC) “em pânico” (BARCLAY) e paralisam diante de tamanha visão. A expressão grega usada para descrever o estado deles é εγενηθησαν ως νεκροι [ficaram como que mortos], expressão essa parecida com a encontrada em Apocalipse 1:17a, onde lemos o estado que João ficou quando viu Jesus numa visão; ele επεσα προς τους ποδας αυτου ως νεκρος [caiu diante dos seus pés como que morto].
2.a Complô com os Judeus
Depois desse assombroso encontro angélico, os guardas vão ao encontro dos líderes religiosos e dizem tudo o que viram, inclusive o fato do túmulo estar vazio, sem o corpo de Jesus, conforme podemos observar em Mateus 28:11-15. Os judeus, sendo corruptos e iníquos, logo subornam os guardas e propõem uma nova versão. Eles compelem os guardas a falarem que os cristãos roubaram o corpo à noite enquanto eles dormiam, versão essa que se perpetua entre os judeus.
3. Argumento Cristão da Guarda Romana
Os cristãos fundamentalistas apontam para Mateus 27:62-66 e 28:11-15 como provas históricas da ressurreição de Jesus. Sean McDowell (2012) diz:
Tanto a narrativa bíblica como a história independente nos dizem que a unidade militar que protegia o sepulcro de Jesus era um número significativo de homens, todos altamente treinados e disciplinados. (p. 191)
Em outras palavras, se uma guarda assim tão ‘altamente treinada e disciplinada’ é posta no sepulcro e mesmo assim o corpo desaparece é porque Jesus, de fato, ressuscitou. Mais à frente McDowell diz:
A história da disciplina e segurança romanas testifica o fato de que se o sepulcro não estivesse vazio, os soldados nunca teriam deixado sua posição. (p. 203)
4. O Mito da Guarda Romana
Em termos simples, podemos afirmar que o relato da guarda romana no sepulcro de Jesus em Mateus 27:62-66 e depois 28:11-15 é uma lenda cristã tardia com objetivos apologéticos. O que isso quer dizer? E o que nos leva a afirmar tal coisa?
Precisamos analisar textualmente o relato para provermos os motivos pelos quais chegamos à essa conclusão.
4.a Refutando Mateus 27:62-66 e 28:11-15.
Ao analisarmos o relato sobre a guarda, observamos alguns traços linguísticos próprios de lenda. Queiram ler em suas Bíblias primeiro o relato de Mateus 27:62-66. Agora, pedimos, por gentileza, que consultem Mateus 28:11-15. Depois de lido, perguntamos:
1. Por que, dos quatro Evangelhos, somente Mateus menciona a guarda e o suborno?
2. Os Evangelhos apócrifos são usados pelos apologistas cristãos em passagens que corroboram o relato da ressurreição, como no caso da grande pedra que é rolada do sepulcro, algo também mencionado no Evangelho de Pedro. Nesse mesmo Evangelho de Pedro, a guarda também é mencionada e isso é usado pelos apologistas cristãos para arguir que isso é prova da historicidade da mesma. No entanto, nenhum cristão crê na autenticidade do Evangelho de Pedro, sendo o mesmo considerado repleto de lendas, então por que aceitar o relato da guarda como histórico nesse Evangelhos? Por que, nesse caso, os outros evangelhos apócrifos também não mencionam uma guarda no sepulcro de Jesus para garantia?
3. Por que a versão do “corpo roubado” que supostamente circulava entre os judeus não é mencionada no Evangelho de João, que é justamente o livro que mais menciona os costumes judaicos, com sua tradição e o que mais coloca os judeus como “iníquos” e “desonesto”?
4. Gostaria que voltasse mais uma vez sua atenção para Mateus 27:62-66. Agora leiam precisamente o versículo 63 e 64. Qual o objetivo dos judeus pedirem uma guarda no sepulcro de Jesus? Exatamente isso! Os fariseus dizem que Jesus “vivia” dizendo que iria morrer e ressuscitaria ao terceiro dia. Então, com base nesse conhecimento, os sacerdotes e fariseus decidiram se precaver e colocar a guarda lá por três dias, para garantir que Jesus continuaria morto. No entanto, pergunto: Como os fariseus poderia mencionar que ‘enquanto Jesus vivia, disse: depois de três dias ressuscitarei’, se nem os apóstolos, os discípulos mais íntimos de Jesus, entendiam as declarações que Ele fazia da sua ressurreição?
Jesus, em seu ministério, fez algumas referências proféticas. No entanto, como de costume, os seus discípulos nunca conseguiam discernir e entender suas palavras. (Lucas 2:49-50; 18:31-34; João 25:25-27) Na grande maioria das vezes, os ouvintes de Jesus entendiam suas palavras literalmente, enquanto que o significado estava numa aplicação simbólica, como pode ser visto na conversa de Nicodemos em João cap. 3.
No que diz respeito à ressurreição, encontramos a mesma coisa. Ao relembrar o episódio de Jonas, Jesus disse: “pois, como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o Filho do Homem três dias e três noites no seio da terra.” (Mat 12:40) Em sua visita ao Templo, Jesus havia dito: “Derribai este templo, e em três dias o levantarei.” (Jo. 2:19) Os judeus não entenderam o significado profético, conforme o versículo 20 e 21.
Durante toda a vida e ministério de Jesus, os judeus, incluindo seus discípulos, bem como seus opositores, entendiam que ele iria literalmente destruir o Templo e reconstruí-lo em três dias. No período do seu julgamento, ainda encontramos essa interpretação sendo usada como acusação contra ele: “Ora, os príncipes dos sacerdotes, e os anciãos, e todo o conselho buscavam falso testemunho contra Jesus, para poderem dar-lhe a morte, e não o achavam, apesar de se apresentarem muitas testemunhas falsas, mas, por fim, chegaram duas e disseram: Este disse: Eu posso derribar o templo de Deus e reedificá-lo em três dias. (Mateus 26:59-61)
Até durante a crucificação vemos ainda essa não compreensão da ressurreição ao terceiro dia: “ Tu, que destróis o templo e, em três dias, o reedificas, salva-te a ti mesmo; se és o Filho de Deus, desce da cruz.” (Mat 27:40) Os discípulos, lógico, foram os primeiros a compreenderem, conforme ensina crono-teologicamente o Novo Testamento, que Jesus deveria ressuscitar ao terceiro dia. Mas, quando, exatamente, veio esse entendimento?
João 2:22 responde: “Quando, pois, ressuscitou dos mortos, os seus discípulos lembraram-se de que lhes dissera isso; e creram na Escritura e na palavra que Jesus tinha dito.”
Esse entendimento só veio depois ‘quando Jesus ressuscitou dos mortos’. Depois do evento, eles ‘lembram-se de que Jesus dizia isso.’ Perceba que aqui existe uma semelhança na fraseologia com Mateus 27:63, onde a atenção está na lembrança das palavras de Jesus enquanto em vida. Isso é mais uma prova que a conversa dos fariseus falando da ressurreição ao terceiro dia é nada mais que palavras de um cristão sendo colocadas na boca dos fariseus para criar o mito da guarda no sepulcro!
Assim, voltamos a perguntar: Como os fariseus poderiam dizer o que está em Mateus 27:63 sobre a ressurreição ao terceiro dia, se esse entendimento só veio a existir depois da ressurreição e primeiramente entre os discípulos? De forma bem HONESTA, um dos maiores defensores do Cristianismo na atualidade, William Lane Graig, admite, embora acredite na historicidade do relato evangelístico, que o Evangelho de Mateus ressaltar que os fariseus sabiam da ressurreição ao terceiro dia...
[...] sugere que o relato é uma lenda posterior, refletindo anos da polêmica judaico-cristã. A designação de Jesus como impostor é, de fato, marca da polêmica judaica contra o Cristianismo (Diálogo com Trifão 208, de Justino; Testamento dos Doze Patriarcas (Levi) 16.3). (Reasonablefaith.org)
5. A guarda foi posta no sepulcro para justamente, segundo creem, impedir dos discípulos roubarem o corpo e, no entanto, posteriormente, os Judeus subornam os guardas para mentirem dizendo que teria acontecido justamente o que não poderia ter acontecido, já que esse foi exatamente o motivo da própria presença deles lá. Como pode isso fazer sentido?
6. Imagine que você fosse um soldado romano. Se, por um segundo, tudo aquilo fosse verdade, se você tivesse testemunhado a descida de um anjo, na sua frente, abrindo o sepulcro, Jesus sendo ressuscitado, o que você teria feito? Teria ido aos judeus para receber suborno e daria as costas para tudo aquilo? O mais provavelmente seria que você se tornasse cristão, ao invés de entrar em suborno com os judeus, não acha?
7. A versão supostamente criada pelos fariseus não teria sido crida pelas pessoas por vários motivos. Além dos pontos mencionados no 5 e 6, as pessoas poderiam ter arguido: “Os guardas ficaram 3 dias em frente ao sepulcro e vieram a dormir justamente no terceiro dia? Dia que estava predita a suposta ressurreição?”. Seria meio suspeito, não acha?
8. O versículo 11 diz que “alguns dos guardas” foram à cidade para falar com os líderes religiosos. Foi para esses “alguns” que a versão teria sido propagada, e para esses alguns que o dinheiro teria sido dado. Não obstante, o testemunho dos “outros” que estavam juntos desses “alguns” poderia desmentir facilmente essa “versão” do roubo do corpo enquanto eles dormiam, coisa que, supostamente, não teria ocorrido, pois “esta versão divulgou-se entre os judeus até o dia de hoje”, segundo o escritor do Evangelho. Não é estranho que os “outros” tenham ficado calado enquanto os “alguns” circulassem essa versão?
9. As pessoas poderiam também argumentar que seria impossível que tivessem sido os discípulos que roubaram o corpo, uma vez que, na versão supostamente propagada pelos guardas, eles estavam “dormindo”; a menos, é claro, que dormissem de olhos aberto!
Conclusão
O escritor do Evangelho de “Mateus” criou essa lenda com um objetivo específico: Tornar o acesso ao corpo de Jesus algo impossível pelos meios humanos, o que por natureza levava os leitores originais a ficarem impressionados com o poder de Deus, conduzindo-os à conclusão sobrenatural pré-estabelecida de que Jesus, de fato, ressuscitou dentre os mortos. Ora, como o corpo de Jesus poderia ter desaparecido se o sepulcro estava lacrado com uma enorme pedra e vigiado por uma guarda de vários homens bem treinado de Roma, exceto que, de fato, Deus tenha enviado seu anjo, que, diante dos olhos de todos, removeu a pedra e ressuscitou Seu filho, Jesus. ESSA era a intenção do escritor, criar esse impacto na mente dos leitores primitivos.
Lembra daquela história contada no início do artigo sobre André? Esse é o paralelo. Os religiosos e supersticiosos criam e colorem fatos para impressionar seus ouvintes e leva-los à conclusões sobrenaturais. Quanto mais “impossível” for o caso, quanto mais “misterioso” for, melhor!
No caso do meu amigo, apesar de todo o enfeite, foi depois descoberto que, um dia, deixando a chave de bobeira, sua irmã fez uma cópia da mesma, e quando todos se ausentavam da casa, ela entrava no quarto e furtava-o.
Assim como nesse caso, a suposta “ressurreição” de Jesus e seu sepulcro, junto com seu corpo, têm explicações simples e naturalísticas, como veremos em outros artigos.
Bibliografia
McDowell, Josh. McDowell, Sean. Evidências da Ressurreição. Rio de Janeiro. CPAD. 2012.
GEISLER, Norman. Enciclopédia Apologética. São Paulo. Vida. 2002.
http://porquenaocreio.blogspot.com.br/2013/07/mito-guarda-tumulo-jesus-lenda.html
Assinar:
Postar comentários (Atom)
muito bom
ResponderExcluirObrigada amiga Luciana Lima!!!
ResponderExcluir