2 de set. de 2016

O intelecto e a Consciência Fundamental e Derradeira


Pode o intelecto penetrar de verdade em regiões que até aqui lhe estavam vedadas? Pode ajudar-nos a penetrar na consciência fundamental e derradeira? Oculta ele um poder de percepção desconhecido? Problema algum é obscuro a ponto de não poder ser esclarecido ou resolvido pela luz de uma concentração persistente em torno dele. O problema do eu do homem também pode ser solucionado em função de uma persistente concentração da mente em torno dele — e é o que acontece. Já disse que esse caminho começa por uma busca intelectual dirigida para dentro, pelo emprego de um intelecto aguçado mas auto-absorvido. Reflexões analíticas como as aqui citadas não apenas fornecem uma prova genuína da natureza espiritual do ego, como também propiciam um caminho que levará a mente reflexiva à compreensão da sua realidade oculta.

Devemos primeiro situar corretamente o intelecto na nossa natureza; ele é a ferramenta do eu, o meio através do qual o eu entra em contato com o mundo da matéria. O olho seria incapaz de ver se a mente não estivesse por detrás dele para vitalizar o seu funcionamento. O intelecto é a fase mais baixa e a razão a fase mais elevada de uma mesma mente. A matéria mental é na verdade um meio, o ele intermediário entre o eu e o corpo material, e, através deste elo do eu com o mundo material.  

Essa posição central entre ambas as esferas confere-lhe a sua importância e mostra o valor de se poder dominá-la por completo. Sem a matéria mental não poderíamos tomar consciência do meio ambiente, pois nesse caso o nosso corpo seria um cadáver inerte e inconsciente com todos os cinco sentidos fora de funcionamento.

Se, por essa razão, o poder do intelecto de propensão espiritual de conduzir o homem rumo à verdade é aqui louvado, deve-se compreender que o que se quer dizer é que tal poder pode indicar ao homem a direção certa no caminho da verdade.

Um pensamento dessa ordem não cairá num circulo vicioso mas ajudará verdadeiramente o estudante a chegar às fronteiras do Eu Superior, da mesma forma pela qual o roçar de uma corda acabará por sulcar a face de um parapeito de pedra. É preciso uma mente bem treinada e vigorosa para alcançar estas verdades. Os adolescentes mentais não poderão fazê-lo, mas há caminhos religiosos mais fáceis à sua disposição.

A mente, tal qual a conhecemos, isto é, a mente que cuida da existência rotineira, que nos capacita a calcular, organizar, dispor, escrever, trabalhar num escritório, ler os jornais e expressar nossos pontos de vista, ou até mesmo analisar compostos químicos, é capaz de atender a esses assuntos cotidianos com relativa eficiência, mas sai das suas profundezas quando tenta resolver problemas fora de seu âmbito. Contudo, em virtude do seu orgulho e arrogância inatos, ela se recusa a reconhecer suas limitações e exara opiniões sobre problemas espirituais e psíquicos (vale dizer extraordinários) que são inteiramente destituídos de fundamento e valor. Se tivesse humildade suficiente, compreenderia que se faz necessária uma certa dose de atividade mental para enfrentar devidamente esses problemas transcendentais, e se dedicaria primeiro a encontrar e desenvolver tal capacitação para depois atrever-se a opinar. Para tingir essa capacitação é preciso usar corajosamente a razão, não deter-se senão diante da Verdade Derradeira e seguir a trilha dos pensamentos desconhecidos até o extremo de suas conclusões desconhecidas. Mais do que isso, exige-se uma isenção de preconceitos e um desinteresse mundano difíceis de encontrar. E, por fim, exige-se uma capacidade de concentração e agudez intelectual que permitam lidar com as mais sutis abstrações. O valor das técnicas da Ioga convencional é que elas nos ajudam a desenvolver parte dessas qualidades, incrementando a impessoalidade, a tranquilidade mental, o poder de concentração e a capacidade de manter à distância as ideias, emoções e distrações aleatórias de todo tipo, de modo que a verdade acerca do assunto meditado se mostre com maior clareza. Mas tais técnicas não desenvolvem uma razão mais atilada e arguta nem a capacidade de uma reflexão analítica prolongada, e aqui um adestramento científico, matemático ou filosófico assume o valor máximo. É na junção dos métodos de aquietação e apuro da mente que florescem as qualidades certas para a descoberta da Verdade. Cada qual desses métodos é incompleto sem o outro, e, por isso, só pode levar à verdade parcial. O sistema aqui apresentado objetiva combinar a ambos.  

Assim, através de um processo de descasque e despojamento, por assim dizer, a análise do eu chegou ao ponto de reconhecer a existência do ego como uma entidade cujas manifestações encerram misteriosa transitoriedade, e como uma entidade capaz de viver, mover-se e SER independentemente do corpo físico, das emoções e do intelecto, quando estes são encarados do ponto de vista do eu destituído de qualquer conteúdo ou expressão. Ainda que a investigação o tenha eliminado das suas supostas moradas, ainda que o eu pesquisado continue a nos enganar, ainda assim sabemos que ele existe; SENTIMOS QUE NOSSA EXISTÊNCIA É REAL, muito mais real do que qualquer outra coisa.

É preciso agora levar o nosso pensamento ainda além do âmbito das experiências costumeiras e começar a encarar a possibilidade de examinar esse ego tal qual ele realmente é, desembaraçado dos pensamentos e sentimentos e sem as peias do invólucro carnal. Poucos, se é que alguém o faz, chegam a tentar essa possibilidade, e, no entanto, é esse o caminho ao longo do qual podemos encontrar a verdade real acerca de um homem, bem como o alívio para numerosos fardos que nos afligem a alma em decorrência da ignorância da nossa verdadeira natureza íntima.


O efeito de tais reflexões analíticas, quando trazidas a este plano e amplamente compreendidas, é criar uma espécie de amanhecimento revolucionário na mente, promover a passagem da noite escura para a luminosa alvorada. Pois o mistério do eu principia agora a estender-se até horizontes ilimitados. As possibilidades de uma vida mais espaçosa que parecem abrir-se produzem uma sensação semelhante a um frêmito de medo e expectativa. Via de regra a mente está presa ao corpo e somente quando libertada de seu cativeiro pode esperar a aurora de uma vida mais elevada.   

Paul Brunton em, A Busca do Eu Superior 

    

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