29 de jul. de 2016

Libertai-vos de vossas muletas


Pergunta: Se alcançardes êxito no despedaçar os grilhões que amarram a vida e a verdade e quando a vida estiver liberta da superstição, do dogma e da autoridade, não será o resultado disso um caos maior do que aquele que vemos ao redor de nós presentemente? Podeis prever o que virá a acontecer quando a humanidade estiver liberta dessas amarras?  

Krishnamurti: Dado a meta ser para todos, sem olhar as distinções, e se fixardes essa meta por vós próprios, todos os vossos pensamentos e atos serão encaminhados por ela. Sustento isto porque ninguém no mundo possui uma tal meta, existe o caos e não o êxtase de propósito que advém quando cada qual houver estabelecido a sua meta por si mesmo. Ao demais disso, se existir caos ao redor de nós, como existe presentemente, é melhor experimentar com algo que, com toda a probabilidade venha a produzir a ordem. Não há utilidade alguma em dizer que, pelo fato de haver desordem, não devêramos tentar nada por medo de que possa produzir desordem maior. Isto é uma maneira covarde de encarar a vida. Não é esta a atitude do criador, do gênio; este é o caminho da estagnação, da falta de compreensão da vida. Se habitardes na sombra, de nada serve o dizer: “Não ouso abandonar a minha sombra por medo de que haja maiores sombras lá fora”. O propósito da vida é fazer face às sombras e não o evita-las por medo.

“Podeis prever algo do que virá acontecer?”

Não sou leitor de cartas. Além disso, é coisa de pouquíssima importância. Estáveis na incerteza quando fizestes esta pergunta. Pretendeis obter uma nova esperança para a ela vos apegardes, de modo a, ao seu redor, criar outra sombra, outra superstição a mais. Em vossa mente todo o futuro se acha baseado em esperanças. A verdade, no entanto, nada tem a ver com a esperança de vossa salvação particular. E se essa esperança existe, será ela uma traição à verdade. Cada qual deseja ser glorificado no futuro, possuir uma situação particular no céu o mais perto possível de Deus, o Deus de sua própria criação. Em um tal céu não existe sombra de verdade. Ele acha-se vazio no que respeita à verdade.

Enquanto buscardes uma esperança, um conforto e um bálsamo que cure todas as feridas, estareis afastando-vos cada vez mais desse reino onde reside a felicidade, onde a verdade habita para sempre.

Pergunta: Devemos repelir por inúteis as “verdades”, “princípios” ou “ideias” que nos serviram de ajuda, digamos, exemplificando, para ir do agnosticismo à espiritualidade?

Krishnamurti: Não vos deis ao trabalho de guardar as cascas das frutas que comeis, nem conservai de memória todos os acontecimentos que vos auxiliaram a crescer. Conservai aquelas verdades que alcançasteis mediante a experiência, antes do que a experiência em si mesmo considerada. De nada serve o sobrecarregar as vossas mentes com cascas vazias. À medida que cheguei a compreender por mim mesmo, fui deixando de lado as crenças, repetições, palavras vãs. Naturalmente, se eu vir a outrem fazendo a mesma coisa que eu fiz, digo-lhe: “Não repitais os meus erros. Eu passei pelo estágio em que necessitava de muletas; e verifiquei que todas essas coisas são desnecessárias”. Não vos digo: “por ter passado eu por todos esses estágios, vós tendes que fazer a mesma coisa”.

“Devemos repelir por inúteis as “verdades”, “princípios” ou “ideias” que nos serviram de ajuda, digamos para ir do agnosticismo à espiritualidade?”

Vós já as haveis ultrapassado. Aquilo que sustentáveis como verdade há dez anos não mais vos satisfaz agora. Vós não guardais isso, eu vo-lo asseguro. Ninguém repelirá suas verdades, princípios, ideias, a não ser que deseje faze-lo. É este o desejo que eu quisera criar em vós e não fazer-vos a imposição de minha forma particular de compreender.

Pergunta: Pode-se tirar todas as muletas e apoios à fraca humanidade nos tempos atuais?

Krishnamurti: Eu não vos posso tirar vossas muletas e apoios. Vós é que as deveis atirar fora.
Se eu vos tirasse um apoio, inventarieis outro. Se destruísse uma gaiola, criaríeis outra e enfeitar-lhe-íeis as grades. Meu propósito não é tirar coisas, porém sim criar esse imenso desejo pela verdade que vos faça despedaçar por vós mesmos todas as gaiolas.

Krishnamurti, 1930
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/



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